Os gritos do parto
Gritar vem do latim “critare” (vulg.) ou “quirito”, que significa chamar, invocar.
Na natureza, todos têm um grito de força. Que está presente na forma de expressão dos animais.
Vamos falar um pouco dessa maneira de se expressar durante o trabalho de parto?
O que vem a ser os gritos, os gemidos, os grunhidos e aqueles olhares ameaçadores durante o trabalho de parto?
Como eu disse, os sons são uma forma de expressão. Falar, cantar, gemer durante o trabalho de parto é uma maneira de expressar o seu sentimento, sua sensação.
Nós, às vezes, gritamos com os olhos e os gestos quando a voz é inibida.
Sabe os gritos dos lutadores de artes marciais? “KIAI”! É uma expressão que se refere à exteriorização da energia corporal, que nasceria do baixo ventre e sobe com a força até a boca.
O KIAI é usado para assustar o oponente, consagrando a explosão de força. E também servem para aumentar, acelerar e expor a força do lutador.
Ou seja, o grito não é só relacionado com medo ou dor. Ele é mais relacionado à força e poder. Por isso vemos tantos “gritos de guerra”.
Mas e no parto? O que tem a ver?
Tem muito a ver. Você já viu alguma imagem das cordas vocais?
Elas parecem muito com a anatomia da vagina. A semelhança é incrível.
Estudos mostram que há uma ligação direta entre a boca e o canal de parto, e que quanto mais a mulher abre a boca durante o trabalho de parto mais facilmente se abre o canal do parto, e mais rápido ocorre o parto.
Pode ser cantando, gemendo ou vocalizando. Colocar o som pra fora estimula a garganta e ajuda a atingir abertura e relaxamento.
A ligação entre garganta e canal vaginal é tanto energética (alinhamento dos chakras) quanto fisicamente. Eles se contagiam mutuamente: se a garganta contrai, o mesmo acontece na região vaginal, e se a garganta relaxa, o colo do útero e períneo também relaxam.
Durante o trabalho de parto, cantar relaxa, o corpo se deixa levar pelas contrações, trabalhando a seu favor, em lugar de entrar em luta com elas, desaparecem a tensão e o medo e surge a possibilidade das mais profundas e belas transformações e materializações da Vida. As mulheres podem cantar sem cansarem-se durante horas no parto e esse mecanismo regenerador de energias, leva-as a conviver harmoniosamente com as contrações, favorecendo a dinâmica uterina, e criando uma relação positiva com o momento do parto.
Então a mulher precisa gritar?
A voz se produz por seu corpo para ultrapassar limites nunca cruzados antes.
A mulher expressa sua dor através da voz. A transformação que ela está passando, o processo de nascimento de um bebê e de uma nova mãe é uma experiência que sem conexão com o próprio corpo é interpretada e entendida somente como dor física, mas não o é. Não é bem dor...
Há uma ligação direta ente o canal vaginal e a boca. Quando abrimos a boca e as cordas vocais, causamos o relaxamento do períneo e a abertura de outros canais como o colo do útero e a vagina.
Quanto mais abre a boca, mais abre o canal de parto.
Por isso, à medida que as contrações vão surgindo, não lute nem as contrarie.
Aceite-as como parte fundamental do processo.
Se precisar de vocalizar a força dessas contrações, faça sem medo.
Ao emitir sons, você relaxa, liberta e exala emoções, produz endorfinas e alivia a dor. Além do mais, um corpo tenso tem mais dor. Esse processo auxilia no alívio da dor das contrações e proporciona contato com o seu íntimo, com as suas sensações.
Nosso corpo está interligado e se a mulher tem privacidade e liberdade para se expressar, o corpo inteiro fica mais relaxado, a musculatura fica mais frouxa e ela mergulha intensamente em todo o processo, em todo o seu corpo e suas sensações, fazendo o trabalho de parto acontecer de uma forma mais natural.
Quer dizer que gritar é o segredo?
Não! Relaxar é o segredo. Você consegue gozar em um local tenso?
Consegue gemer quando sabe que alguém no quarto ao lado pode te ouvir?
Muitas mulheres têm medo de parir em salas coletivas comuns nos hospitais públicos por causa dos gritos, dos seus e das outras mulheres. Mas ali é o lugar para isso. É o lugar de gemer, de parir, de gritar. Não tenha medo do grito de nenhuma quando estiver parindo. Tenha medo do silêncio.
Uma maternidade onde não se ouve nada durante o trabalho de parto, há algo estranho. Vocalizar é importante! É um modo de dar vazão à dor e ganhar forças! Se a mulher está a vontade, ela vai vocalizar.
E aquelas que não gritam? Ou que dão gritinhos? Ou só pequenos gemidos?
Faz parte de suas personalidades. Existem mulheres que dão à luz sem proferir uma palavra ou som. Esse é um silêncio voluntário.
O medo do silêncio que estou falando é do silêncio imposto, obrigatório. Naqueles lugares onde as mulheres, mesmo desejando, não podem gritar, falar.
Isso se chama violência obstétrica. Aquelas frases famosas de: “Pra fazer você não gritou, não é?”
ou “Fica quietinha senão eu nem vou aí!”
Isso só deixa a mulher mais tensa, mais presa e acaba retardando ou impossibilitando o parto. Além de ser um crime, né?
Não possui tipificação legal, mas pode sem enquadrado como crime de homicídio, de lesão corporal e/ou de omissão de socorro e contra a honra. Esse é um outro tema para discussão em uma outra live.
Voltando ao grito. O não grito da mulher em trabalho de parto tem ligação com a lei dos esfíncteres da pesquisadora Ina May Gaskin; o útero e o colo do útero têm um comportamento semelhante ao comportamento dos esfíncteres como a bexiga, o reto e o ânus – músculos que retêm algo até que um estímulo cause a sua abertura e a libertação do seu conteúdo.
E estes órgãos bem como o útero e a vagina, funcionam melhor em ambientes íntimos, calmos e em privacidade;
- podem fechar involuntariamente se a pessoa se sente ameaçada, embaraçada ou perturbada;
- o relaxamento dos maxilares está ligado ao relaxamento dos músculos da vagina e ânus – o riso é uma das melhores maneiras de relaxar estes músculos; portanto, boca aberta = vagina aberta!
Em situações de estresse, os músculos dos esfíncteres tornam-se tensos e não respondem a comandos ou ordens.
Ou seja, o ambiente em que a mulher está, a forma como é tratada afetam o trabalho de parto. O silêncio reina no império das cesárias, onde a mulher está sempre sob o efeito de drogas sedativas e, numa leitura semiótica, vulnerável e submissa à equipe médica.
Dra Daniella Leiros 🌷 - fisioterapeuta, acupunturista e doula - CREFITO 3 - 59546F
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